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William Shakespeare

William Shakespeare

William Shakespeare – XL

Leva-me, amor, todos os meus amores:
Que tens agora a mais que não te déssemos?
Nenhum sincero amor, amor, que apores
Ao quanto era já teu sem tais acréscimos.
E se é por meu amor que o amor me raptas,
Não te posso culpar se dele abusas;
Todavia te culpo se te adaptas
Só por capricho ao que em geral recusas.
Gentil ladrão, eu te perdoo a ofensa,
Pois roubaste de ti minha penúria,
Que sempre soube o amor ser dor mais densa
Sofrer seus erros que do ódio a injúria.
Lasciva graça, que faz bem do mal;

William Shakespeare, 50 sonetos

William Shakespeare

William Shakespeare – XXXVII

Como o pai que decrépito se alegra
De ver o filho agir em juventude,
Eu, feito inútil pela sorte negra,
Vibro com teu valor, tua virtude.
Pois se a beleza, o berço, a aura, o ouro,
Ou algo disso, ou mais, ou tudo junto,
Vejo de dons coroar o teu tesouro,
Engasto o meu amor nesse conjunto.
Já não sou pobre, inútil, desprezado
Estando à tua sombra nutritiva,
Pois em tua abundância o meu legado
Parte é de tua glória que me aviva.
Busca o melhor que não terás revezes;
Que ao desejá-lo sou feliz dez vezes.

William Shakespeare, 50 sonetos

William Shakespeare

William Shakespeare – XXXV

Não te aflijas por tudo o que fizeste:
As rosas têm espinho; a fonte, lama;
Nuvens toldam o sol no azul celeste
E o verme habita na florida rama.
Os homens todos erram, também eu
Por ter as tuas faltas aprovado
E corromper-me no erro que era o teu:
Mais pecado é perdoar o teu pecado.
Da falta sensual o sem sentido
É que a parte contrária é o defensor
E vejo-me num pleito dividido
Nessa guerra civil de ódio e de amor
E num cúmplice acabo me tornando

William Shakespeare, 50 sonetos

William Shakespeare

William Shakespeare – XXX

Quando às sessões do mudo pensamento
Convoco as remembranças do passado,
Sentindo a ausência do que amei, lamento
Com velhos ais, de novo, o tempo amado;
E, avesso ao pranto, os olhos meus inundo
Por amigos que esconde a noite avara:
Penas de amor que já paguei refundo;
Choro o perder de tanta imagem cara.
E me infligindo uma aflição sofrida,
De pesar em pesar repeso agora
O balanço da dor adormecida
Como se o saldo não saldado fora.
Mas se então penso em ti nesse ínterim,
Restauro toda a pena e a dor tem fim.

William Shakespeare, 50 sonetos

William Shakespeare

William Shakespeare – XXIX

William Shakespeare foi um poeta, dramaturgo e ator inglês, tido como o maior escritor do idioma inglês e o mais influente dramaturgo do mundo. É chamado frequentemente de poeta nacional da Inglaterra e de "Bardo do Avon"

Se, órfão do olhar humano e da fortuna,
Choro na solidão meu pobre estado
E o céu meu pranto inútil importuna,
Eu entro em mim a maldizer meu fado;
Sonho-me alguém mais rico de esperança,
Quero feições e amigos mais amenos,
Deste o pendor, a meta que outro alcança,
Do que mais amo contentado o menos.
Mas, se nesse pensar, que me magoa,
De ti me lembro acaso — o meu destino,
Qual cotovia na alvorada entoa
Da negra terra aos longes céus um hino.
E na riqueza desse amor que evoco,
Já minha sorte com a dos reis não troco.

 

William Shakespeare, 50 sonetos

William Shakespeare

William Shakespeare – XXVIII

Lanço-me ao leito, exausto da fadiga,
Repousa o corpo ao fim da caminhada;
Mais eis que a outra jornada a mente obriga
Quando é do corpo a obrigação passada.
A ti meu pensamento — na distância —
Em santa romaria então me leva,
E fico, as frouxas pálpebras em ânsia,
Olhando, como os cegos veem na treva.
E a vista de minh’alma ali desvenda
Aos olhos sem visão tua figura,
Que igual a joia erguida em noite horrenda,
Renova a velha face à noite escura.
Ai! que de dia o corpo, à noite a alma,
Por tua e minha culpa não têm calma.

 

William Shakespeare, 50 sonetos

William Shakespeare

William Shakespeare – XXIV

Meus olhos, qual pintor, tua beleza
Retrataram no escrínio de meu peito;
Meu corpo é a moldura em que está presa:
Na arte da perspectiva fui perfeito.
Pois através do artista diligente
Vês onde jaz a tua imagem fina:
Na loja de meu peito está pendente
E teus olhos reluzem na vitrina.
Uma troca de olhares que bem faz:
Meus olhos te pintaram, são os teus
Janelas de meu peito onde se apraz
O sol a te espreitar nos antros meus.
Mas os olhos têm sua restrição:
Pintam o que veem, não o coração.

 

William Shakespeare, 50 sonetos

William Shakespeare

William Shakespeare – XXIII

Como imperfeito ator que em meio à cena
O seu papel na indecisão recita,
Ou como o ser violento em fúria plena
A que o excesso de forças debilita;
Também eu, sem confiança em mim, me esqueço
No amor de os ritos próprios recitar,
E na força com que amo me enfraqueço
Rendido ao peso do poder de amar.
Oh! sejam pois meus livros a eloquência,
Áugures mudos do expressivo peito,
Que amor implorem, peçam recompensa,
Mais do que a voz que muito mais tem feito.
Saibas ler o que o mudo amor escreve,
Que o fino amor ouvir com os olhos deve.

 

William Shakespeare, 50 sonetos

William Shakespeare

William Shakespeare – Soneto XIV

Dos astros não retiro entendimento
Embora eu tenha cá de astronomia,
Mas não para prever a sorte, o intento
Das estações, ou fome, epidemia;
Nem sei dizer o que será do instante,
Prever a alguém quer chuva, ou vento, ou raio;
Se tudo há-de sorrir ao governante
Segundo as predições que aos céus extraio.
De teus olhos provêm meus atributos
E, astros constantes, leio ali tal arte:
“Que a verdade e a beleza darão frutos
Se em ti deixas de tanto reservar-te”;
Ou um vaticínio sobre ti revelo:
“Teu fim põe termo ao verdadeiro e ao belo.”

William Shakespeare, 50 Sonetos

William Shakespeare

William Shakespeare – Soneto XII

William Shakespeare foi um poeta, dramaturgo e ator inglês, tido como o maior escritor do idioma inglês e o mais influente dramaturgo do mundo. É chamado frequentemente de poeta nacional da Inglaterra e de "Bardo do Avon"

Quando a hora dobra em triste e tardo toque
E em noite horrenda vejo escoar-se o dia,
Quando vejo esvair-se a violeta, ou que
A prata a preta têmpora assedia;
Quando vejo sem folha o tronco antigo
Que ao rebanho estendia a sombra franca
E em feixe atado agora o verde trigo
Seguir no carro, a barba hirsuta e branca;
Sobre tua beleza então questiono
Que há de sofrer do Tempo a dura prova,
Pois as graças do mundo em abandono
Morrem ao ver nascendo a graça nova.
Contra a foice do Tempo é vão combate,
Salvo a prole, que o enfrenta se te abate.

William Shakespeare, 50 Sonetos

William Shakespeare

William Shakespeare – Soneto II

William Shakespeare foi um poeta, dramaturgo e ator inglês, tido como o maior escritor do idioma inglês e o mais influente dramaturgo do mundo. É chamado frequentemente de poeta nacional da Inglaterra e de "Bardo do Avon"

Quando no assédio de quarenta invernos
Se cavarem as linhas de teu rosto,
Da juventude os teus galões supernos
Pobres andrajos se tiverem posto,
Se então te peguntarem pelo fausto
De teus dias de glória e de beleza,
Dizer que tudo jaz no olhar exausto,
Opróbrio fora, encômio sem grandeza.
Mais mérito terias nessa usança
Se pudesses dizer: “Meu filho há-de
Saldar-me a dívida, exculpar-me a idade”.
Provando que a beleza é tua herança.
Fora tomar em novo as coisas velhas
E ver o sangue quente enquanto engelhas.

William Shakespeare, Os melhores sonetos

William Shakespeare

William Shakespeare – Soneto I

William Shakespeare foi um poeta, dramaturgo e ator inglês, tido como o maior escritor do idioma inglês e o mais influente dramaturgo do mundo. É chamado frequentemente de poeta nacional da Inglaterra e de "Bardo do Avon"

Dos seres ímpares ansiamos prole
Para que a flor do Belo não se extinga,
E se a rosa madura o Tempo colhe,
Fresco botão sua memória vinga.
Mas tu, que só com os olhos teus contrais,
Nutres o ardor com as próprias energias
Causando fome onde a abundância jaz,
Cruel rival, que o próprio ser crucias.
Tu, que do mundo és hoje o galardão,
Arauto da festiva Natureza,
Matas o teu prazer inda em botão
E, sovina, esperdiças na avareza,
Piedade, senão ide, tu e o fundo
Do chão, comer o que é devido ao mundo.

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