Browsing Category

Yves Bonnefoy

Yves Bonnefoy

Yves Bonnefoy – A ponte de ferro

Yves Bonnefoy

Existe ainda por certo ao fim de uma longa rua
Onde andava eu criança um pântano estagnado
Retângulo pesado de morte ao céu negro.

Desde então a poesia
Separou de outras águas suas águas,
Beleza alguma, ou cor a vão reter,
Por ferro ela angustia-se e por noite.

Nutre um longo
Pesar de margem morta, uma ponte de ferro
Lançada à outra margem mais noturna ainda
É sua só memória e só real amor.

Yves Bonnefoy, Poetas de França hoje

Yves Bonnefoy

Yves Bonnefoy – Lugar verdadeiro

Yves Bonnefoy

Seja dado um lugar àquele que vem vindo,
Personagem com frio e privado de lar.

Personagem que o ruído tenta de uma lâmpada,
E a soleira alumiada de um único lar.

E se alquebrado está de angústia e de fadiga,
Repitam-lhe as palavras que o irão curar.

Que falta a esse peito que era só silêncio,
Senão palavras feitas do signo e do orar.

E qual pequeno fogo de repente à noite,
E essa mesa entrevista de um humilde lar?

Yves Bonnefoy, Obra poética

Yves Bonnefoy

Yves Bonnefoy – Belo verão

Yves Bonnefoy

Da voz calou-se o ruído, que te designava.
Estás só no cercado das barcas escuras.
Caminhas nesse solo a se mover, mas tens
Um canto outro que a água cinza no teu peito.

Uma esperança outra que a partida certa,
Passos tíbios, o fogo a cambalear à frente.
Não amas esse rio, meras águas terrestres,
Seu caminho de lua em que se acalma o vento.

Antes, dizes tu, antes em praias já sem vida,
Dos palácios que fui altas ruínas apenas,
Tu só amas a noite enquanto noite, alçando
A tocha, teu destino, de renúncia plena.

Yves Bonnefoy, Obra Poética

Yves Bonnefoy

Yves Bonnefoy – O ruído das vozes

Yves Bonnefoy

Da voz calou-se o ruído, que te designava.
Estás só no cercado das barcas escuras.
Caminhas nesse solo a se mover, mas tens
Um canto outro que a água cinza no teu peito.

Uma esperança outra que a partida certa,
Passos tíbios, o fogo a cambalear à frente.
Não amas esse rio, meras águas terrestres,
Seu caminho de lua em que se acalma o vento.

Antes, dizes tu, antes em praias já sem vida,
Dos palácios que fui altas ruínas apenas,
Tu só amas a noite enquanto noite, alçando
A tocha, teu destino, de renúncia plena.

Yves Bonnefoy, Obra Poética

Yves Bonnefoy

Yves Bonnefoy – Verdadeiro nome

Yves Bonnefoy

Eu chamarei deserto ao castelo que foste,
Noite a essa voz, ausência ao teu semblante,
E ao caíres um dia nessa terra estéril
Eu chamarei de nada o raio teu raptor.

Morrer é um país de que tu gostavas. Venho
Mas pela eternidade em teus negros caminhos.
Destruo o teu desejo, a forma e a memória,
Eu sou teu inimigo e não terá piedade.

Eu te chamarei guerra e tomarei
Contigo as liberdades da guerra e terei
Nas mãos esse teu rosto, escuro e trespassado,
No meu peito o país que em tempestade luz.

A luz profunda necessita pra surgir
De uma terra talada e a arrebentar de noite.
De lenha tenebrosa é que a chama se exalta.
Mesmo para a palavra é preciso matéria,
Uma inerte ribeira além de todo canto.

Tem de passar a morte por que vivas,
A mais pura presença é sangue derramado.


Yves Bonnefoy, Obra poética

Yves Bonnefoy

Yves Bonnefoy – Às arvores

Yves Bonnefoy

Vós que vos apagastes à sua passagem,
Que sobre ela fechastes os vossos caminhos,
Impassíveis avais de que até morta Douve
Há de ser luz, ainda não sendo nada.

Vós fibrosa matéria e densidade,
Árvores, junto a mim quando ela se lançou
Na embarcação dos mortos e boca fechada
Ao óbolo de fome, de frio e silêncio.

Ouço através de vós que diálogo ela tenta
Com esses cães, com esse informe bateleiro,
E eu pertenço a vós pelo seu caminhar
Por entre tanta noite e apesar deste rio.

O trovão tão profundo a vos rolar nos galhos,
As festas que ele inflama ao cume do verão
Sinalam que ela liga a sua fortuna à minha
Pela mediação da vossa austeridade.

Yves Bonnefoy, Obra Poética

Yves Bonnefoy

Yves Bonnefoy – Uma pedra

Yves Bonnefoy

Tenho sempre fome desse
Lugar que nos foi espelho,
Das frutas curvadas dentro
De sua água, luz que salva,

E gravarei sobre a pedra
Lembrança de que brilhou
Um círculo, fogo ermo.
Acima é rápido o céu

Como ao voto a pedra é fechada.
Que buscávamos? Talvez
Nada, a paixão só é sonho.
Nada pedem suas mãos.

E de quem amou uma imagem,
Por mais que o olhar deseje,
Fica a voz sempre partida,
É a palavra toda cinzas.

Yves Bonnefoy, Obra poética