Toca essa música de seda, frouxa e trêmula,
que apenas embala a noite e balança as estrelas noutro mar.
Do fundo da escuridão nascem vagos navios de ouro,
com as mãos de esquecidos corpos quase desmanchados no vento.
E o vento bate nas cordas, e estremecem as velas opacas,
e a água derrete um brilho fino, que em si mesmo logo se perde.
Toca essa música de seda, entre areias e nuvens e espumas.
Os remos pararão no meio da onda, entre os peixes suspensos;
e as cordas partidas andarão pelos ares dançando à toa.
Cessará essa música de sombra, que apenas indica valores de ar.
Não haverá mais nossa vida, talvez não haja nem o pó que fomos.
E a memória de tudo desmanchará suas dunas desertas,
e em navios novos homens eternos navegarão.
Cecilia Meireles, Viagem