Cora Coralina

Cora Coralina – Lucros e perdas

cora coralina
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I

Eu nasci num tempo antigo,
muito velho,
muito velhinho, velhíssimo.

II

Fui menina de cabelos compridos
trançados, repuxados, amarrados com tiras de pano.
Minha mãe não podia comprar fita.
Tinha vestidos compridos
de babado e barra redobrada
(não fosse eu crescer e o vestido ficar perdido).
Minha bisavó, setenta anos mais velha
do que eu, costurava meus vestidos.
Vestido ‘pregado’.
Sabe lá o que era isso?
A humilhação da menina
botando seios, vestindo
vestido pregado…
Tinha outros: os mandriões,
figurinos da minha bisavó.

III

Fui menina do tempo antigo.
Comandado pelos velhos:
Barbados, bigodudos, dogmáticos —
botavam cerco na mocidade.

Vigilantes fiscalizavam,
louvavam, censuravam.
Censores acatados. Ouvidos.
Conspícuos.
Felizmente, palavra morta.

VI

A gente era tão original
e os velhos não deixavam.
Não davam trégua.
Havia um gabarito estatuído decimal
e certa régua reguladora
de medidas exatas:
a rotina, o bom comportamento,
parecer com velhos,
ter atitudes de ancião.

V

Fui moça desse tempo.
Tive meus muitos censores
intra e extralar.
Botaram-me o cerco.
Juntavam-se, revelavam-se
incansáveis. Boa gente.
Queriam me salvar.

VI

Revendo o passado,
balanceando a vida…
No acervo do perdido,
no tanto do ganhado
está escriturado:
” — Perdas e danos, meus acertos.
— Lucros, meus erros”.
Daí a falta de sinceridade nos meus versos.

Cora Coralina, Melhores Poemas, Seleção Darcy França Denófrio

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