Cora Coralina – O chamado das pedras

A estrada está deserta.
Vou caminhando sozinha.
Ninguém me espera no caminho.
Ninguém acende a luz.
A velha candeia de azeite
de a muito se apagou.

Tudo deserto.
A longa caminhada.
A longa noite escura.
Ninguém me estende a mão.
E as mãos atiram pedras.

Sozinha…
Errada a estrada.
No frio, no escuro, no abandono.
Tateio em volta e procuro a luz.
Meus olhos estão fechados.
Meus olhos estão cegos.
Vêm do passado.

Num bramido de dor.
Num espasmo de agonia
ouço um vagido de criança.
É meu filho que acaba de nascer.

Sozinha…
Na estrada deserta,
sempre a procurar
o perdido tempo
que ficou pra trás.

Do perdido tempo.
Do passado tempo
escuto a voz das pedras:

Volta… Volta… Volta…
E os morros abriam para mim
imensos braços vegetais.

E os sinos das igrejas
que ouvia na distância
Diziam: Vem… Vem… Vem…

E as rolinhas fogo-pagou
das velhas cumeeiras:
Porque não voltou…
Porque não voltou…
E a água do rio que corria
chamava… chamava…

Vestida de cabelos brancos
Voltei sozinha à velha casa, deserta.

Cora Coralina, Meu livro de cordel