Meu jovem, a vida é boa, e você cantando o cântico
da mocidade pode fazê-la melhor. E o melhor da vida é o trabalho.
No trabalho está a poesia e o ideal, assim possa sentir o poeta.
Só o trabalhador sabe do mistério de uma semente germinando na terra.
Só o cavador pode ver a cor verde se tornar azul.
Ele, na flor, já viu o fruto e no fruto prevê a semente.
E sabe que uma cana de milho, uma braçada de folhas e palhas
na terra é vida que se renova.
Que sabe você, jovem poeta, da fala das sementes?
Um poeta parnasiano do passado, conversava com as estrelas,
foi coisa linda no tempo.
Converse, você, poeta destes novos tempos,
converse com as sementes e as folhas caídas
que pisa distraído.
Você vai sobre rodas e caminha sobre vidas que o asfalto recobriu.
Quem fala essa mensagem é uma mulher muito antiga
que entende a fala e a vida de um monte de lixo
que vê da janela da Casa Velha da Ponte, lá do outro lado do rio,
nos reinos da minha cidade.
A vida é boa. Saber viver é a grande sabedoria.
Saber viver é dar maior dignidade ao trabalho.
Fazer bem feito tudo que houver de ser feito.
Seja bordar um painel em fios de seda ou lavar
uma panela coscorenta. Todo trabalho é digno de ser bem-feito.
Coisa sagrada o trabalho do homem.
A dignidade de um profissional.
A seriedade de um operário, sua competência.
Respeito maior o trabalho obscuro do braçal,
identificado com a terra, com a semente, com a chuva,
com o paiol, com o rego-d’água.
Coisa mais nobre a porteira do sítio,
o batente da casa, o banco rústico, a mesa coberta
com uma toalha de tear. A taipa doméstica, rebrilhante
e acesa. Coisa mais urgente? A presença do homem na casa.
Homem culto da cidade,
num encontro com o da roça com sua enxada ao ombro,
ceda a ele sua preferência. Ele tem obrigação que você desconhece.
Você veste e se alimenta da semente que ele aninha na terra.
Você é um cidadão, ele é um lavrador.
Cora Coralina, Vintém de cobre