David Mourão-Ferreira – Última face

A Noite já não é aquela estrada,
Com uma inquietação em cada muro.
Rosto lunar, vulgar fruto maduro,
A tua face branca e transtornada,

De tão distante e fria, não é nada…
(Mas ilumina as faces que eu procuro…)
Contudo, sei que há-de tombar do escuro
A face apetecida e desejada!

É de mulher? Será… E traz um véu
Que vela, em sonho, tudo que perdeu
A minha adolescência já perdida…

Ah! não lhe peças nada, carne ansiosa!
Que ao menos seja essa velada rosa
Casta! – como não foi a tua vida.

 

David Mourão-Ferreira, Cinco séculos de sonetos Portugueses