Oculta, oculta,
na névoa, na nuvem,
a casa que é nossa,
sob a rocha magnética,
exposta a chuva e arco-íris,
onde pousam corujas
e brotam bromélias
negras de sangue, liquens
e a felpa das cascatas,
vizinhas, íntimas.
Numa obscura era
de água
o riacho canta de dentro
da caixa torácica
das samambaias gigantes;
por entre a mata grossa
o vapor sobe, sem esforço,
e vira para trás, e envolve
rocha e casa
numa nuvem só nossa.
À noite, no telhado,
gotas cegas escorrem,
e a coruja canta sua copla
e nos prova
que sabe contar:
cinco vezes — sempre cinco —
bate o pé e decola
atrás das rãs gordas, que
coaxam de amor
em plena cópula.
Casa, casa aberta
para o orvalho branco
e a alvorada cor
de leite, doce à vista;
para o convívio franco
com lesma, traça,
camundongo
e mariposas grandes;
com uma parede para o mapa
ignorante do bolor;
escurecida e manchada
pelo toque cálido
e morno do hálito,
maculada, querida,
alegra-te! Que em outra era
tudo será diferente.
(Ah, diferença que mata,
ou intimida, boa parte
da nossa mínima, humilde
vida!) Sem água
a grande rocha ficará
desmagnetizada, nua
de arco-íris e chuva,
e o ar que acaricia
e a neblina
desaparecerão;
as corujas irão embora,
e todas as cascatas
hão de murchar ao sol
do eterno verão.
Elizabeth Bishop – Questões de viagem