Categorias: Elizabeth Bishop

Elizabeth Bishop – Chegada em Santos

Eis uma costa; eis um porto;
após uma dieta frugal de horizonte, uma paisagem:
morros de formas nada práticas, cheios — quem sabe? — de autocomiseração,
tristes e agrestes sob a frívola folhagem,
uma igrejinha no alto de um deles. E armazéns,
alguns em tons débeis de rosa, ou de azul,
e umas palmeiras, altas e inseguras. Ah, turista,
então é isso que este país tão longe ao sul
tem a oferecer a quem procura nada menos
que um mundo diferente, uma vida melhor, e o imediato
e definitivo entendimento de ambos
após dezoito dias de hiato?
Termine o desjejum. Lá vem o navio-tênder,
uma estranha e antiga embarcação,
com um trapo estranho e colorido ao vento.
A bandeira. Primeira vez que a vejo. Eu tinha a impressão
de que não havia bandeira, mas tinha que haver,
tal como cédulas e moedas — claro que sim.
E agora, cautelosas, descemos de costas a escada,
eu e uma outra passageira, Miss Breen,
num cais onde vinte e seis cargueiros aguardam
um carregamento de café que não tem mais fim.
Cuidado, moço, com esse gancho! Ah!
não é que ele fisgou a saia de Miss Breen,
coitada! Miss Breen tem uns setenta anos,
um metro e oitenta, lindos olhos azuis, bem
simpática. É tenente de polícia aposentada.
Quando não está viajando, mora em Glen
s Falls, estado de Nova York. Bom. Conseguimos.
Na alfândega deve haver quem fale inglês e não
implique com nosso estoque de bourbon e cigarros.
Os portos são necessários, como os selos e o sabão,
e nem ligam para a impressão que causam.
Daí as cores mortas dos sabonetes e selos —
aqueles desmancham aos poucos, e estes desgrudam
de nossos cartões-postais antes que possam lê-los
nossos destinatários, ou porque a cola daqui
é muito ordinária, ou então por causa do calor.
Partimos de Santos imediatamente;
vamos de carro para o interior.

Elizabeth Bishop, Questões de viagem

Tudo é Poema

Publicado por
Tudo é Poema