Aquele cais afundado
recebia poucos barcos.
Lá viviam dois gigantes,
uma anã, um retardado,
um lojista, que toda a manhã
cochilava em seu balcão,
e a simpática senhoria —
a costureira dela era a anã.
O retardado passava o dia
colhendo amoras, para distrair-se,
mas depois as jogava fora.
A costureira miúda sorria.
Nossa pensão, à beira-mar,
azul como uma cavalinha,
era riscada, feito o rosto
de quem acabou de chorar.
Gerânios extraordinários
transbordavam das janelas,
e no assoalho reluziam
linóleos de tipos vários.
À noite a gente escutava
o pio do mocho-orelhudo.
À luz do lampião de óleo
o papel de parede brilhava.
A senhoria simpática
tinha um filho, um gigante gago,
que subia a escada recitando
trechos de uma velha gramática.
Vivia emburrado, o sujeito,
mas a mãe dele era alegre.
O nosso quarto era frio,
e o colchão de penas, estreito.
No escuro, a gente acordava
com o riacho sonâmbulo
que, desaguando no mar,
em voz alta, ainda sonhava.
Elizabeth Bishop, Poemas escolhidos
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