Ele não é como uma pedra rolando.
Há método nos seus gestos de golfinho
de fonte de vaga de máquina de calcular
o modo como passa ao largo dos aquários
de formol onde os peixes são bois imóveis
faz pensar na surpreendente elegância de um bípede
quando está livre e quando não seja exatamente
de estar sobre os pés que se trata pois num golpe
o corpo sobre uma só pata se sustenta como um gato
que fosse também um pássaro
sobre as ruínas da bolsa modulando de tal modo
que a tela do telefone mal captura sua dança
entre cadáveres no pátio da biblioteca deserta
de onde salta para a escadaria do hospital
em turbilhão sobre pilhas de automóveis e rodopia
retesa enquanto repuxos de sangue aveludam
avenidas que pareciam inquebrantáveis mas
agora castelos em degelo sob pés em desafio:
cada contorcionismo é mais que desespero
e que beleza — é fora do tempo é sem narrativa
é ainda graça leveza cada gesto que
surge
desiludido e certo o dançarino surfa no fogo
e há centenas de milhares de garotos
iguais a ele.
Eucanaã Ferraz, Sentimental
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