Eugénio de Andrade – As mãos e os frutos
Shelley sem anjos e sem pureza,
Aqui estou à tua espera nesta praça,
Onde não há pombos mansos mas tristeza
E uma fonte por onde a água já não passa.
Das árvores não te falo pois estão nuas;
Das casas não vale a pena porque estão
Gastas pelo relógio e pelas luas
E pelos olhos de quem espera em vão.
De mim podia falar-te, mas não sei
Que dizer-te desta história de maneira
Que te pareça natural a minha voz.
Só sei que passo aqui a tarde inteira
Tecendo estes versos e a noite
Que te há-de trazer e nos há-de deixar sós.
Eugénio de Andrade, Cincos séculos de sonetos Portugueses