Trazia consigo a graça
Das fontes quando anoitece.
Era um corpo como um rio
Em sereno desafio
Com as margem quando desce.
Andava como quem passa
Sem ter tempo de parar.
Ervas nasciam dos passos,
Cresciam troncos dos braços
Quando os erguia no ar.
Sorria como quem dança.
E desfolhava ao dançar
O corpo que lhe tremia
Num ritmo que ele sabia
Que os deuses devem usar.
E seguia o seu caminho,
Porque era um deus que passava.
Alheio a tudo o que via,
Enleado na melodia
De uma flauta que tocava.
Eugénio de Andrade, As Mãos e os Frutos
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