Eugénio de Andrade – Soneto

Amor desta tarde que arrefeceu
As mãos e os olhos que te dei;
Amor exato, vivo, desenhado
A fogo, onde eu próprio me queimei;

Amor que me destrói e destruiu
A fria arquitetura desta tarde
– só a ti canto, que nem eu já sei
Outra forma de ser e de encontrar-me.

Só a ti canto que não há razão
Para que o frio que me queima os olhos
Me trespasse e me suba ao coração;

Só a ti canto, que não há desastre
De onde não possa ainda erguer-me
Para encontrar de novo a tua face.

 

Eugénio de Andrade, Cinco séculos de sonetos Portugueses