Minha casa é deserta; na frente
Brotam plantas bravias do chão,
Nas paredes limosas — o cardo —
Ergue a fronte silente ao tufão.
Minha casa é deserta. O que é feito
Desses templos benditos d’outrora,
Quando em torno cresciam roseiras,
Onde as auras brincavam n’aurora?
Hoje a tribo das aves errantes
Dos telhados se acampa no vão,
A lagarta percorre as muralhas,
Canta o grilo pousado ao fogão.
Das janelas no canto, as aranhas
Leves tremem nos fios dourados,
As avencas pululam viçosas
Na umidade dos muros gretados.
Tudo é tredo, meus Deus! o que é feito
Dessas eras de paz que lá vão,
Quando junto do fogo eu ouvia
As legendas sem fim do serão?
No curral esbanjado, entre espinhos,
Já não bala ansioso o cordeiro,
— Nem desperta-se ao toque do sino —
— Nem ao canto do galo ao poleiro. —
Junto à cruz que se eleva na estrada
Seco e triste se embala o chorão,
Não há mais o esfumar das acácias,
Nem do crente a — sentida oração.
Não há mais uma voz nestes ermos,
Um gorjeio das aves no val,
Só a fúria do vento retroa
Alta noite agitando o ervaçal!
Ruge, oh vento gelado do norte,
Torce as plantas que brotam do chão,
Nunca mais eu terei as venturas
Desses tempos de paz que lá vão!
Nunca mais desses dias passados
Uma luz surgirá dentre as brumas!
As montanhas se embuçam nas trevas,
As torrentes se vendam de espumas !
Corre pois vendaval das tormentas,
Hoje é tua esta morna soidão!
Nada tenho, que um céu lutulento
E uma cama de espinhos no chão!
Ruge, voa, que importa! sacode
Em lufadas as crinas da serra,
Alma nua de crença e esperanças
Nada tenho a perder sobre a terra!
Vem, meu pobre e fiel companheiro,
Vamos, vamos depressa, meu cão,
Quero ao longo perder-me das selvas
Onde passa rugindo o tufão!
Fagundes Varela, Noturnas
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