Fagundes Varela – Vida de flor
Por que vergas-me a fronte sobre a terra?
Diz a flor da colina ao manso vento,
Se apenas às manhãs o doce orvalho
Hei gozado um momento?
Tímida ainda, nas folhagens verdes
Abro a corola à quietação das noites,
Ergo-me bela, me rebaixas triste
Com teus feros açoites!
Oh! deixa-me crescer, lançar perfumes,
Vicejar das estrelas à magia,
Que minha vida pálida se encerra
No espaço de um só dia!
Mas o vento agitava sem piedade
A fronte virgem da cheirosa flor,
Que pouco a pouco se tingia, triste,
De mórbido palor.
Não vês, oh brisa? lacerada, murcha,
Tão cedo ainda vou pendendo ao chão,
E em breve tempo esfolharei já morta
Sem chegar ao verão?
Tem piedade de mim! deixa-me ao menos
Desfrutar um momento de prazer,
Pois que é meu fado despontar na aurora
E ao crepúsc’ulo morrer!…
Brutal amante não lhe ouviu as queixas,
Nem às suas dores atenção prestou,
E a flor mimosa, retraindo as pétalas,
Na tige se inclinou.
Surgiu na aurora, não chegou à tarde,
Teve um momento de existência só!
A noite veio, procurou por ela,
Mas a encontrou no pó.
Ouviste, oh virgem, a legenda triste
Da flor do outeiro e seu funesto fim?
Irmã das flores à mulher, às vezes
Também sucede assim.
Fagundes Varela – Noturnas