Nas horas tardias que a noite desmaia,
Que rolam na praia mil vagas azuis,
E a lua cercada de pálida chama
Nos mares derrama seu pranto de luz,
Eu vi entre os flocos de névoas imensas
Que em grutas extensas se elevam no ar,
— Um corpo de fada, — serena dormindo,
Tranquila sorrindo num brando sonhar.
Na forma de neve — puríssima e nua —
Um raio da lua de manso batia,
Assim reclinada no túrbido leito
Seu pálido peito de amores tremia.
Oh! filha das névoas! das veigas viçosas,
Das verdes, — cheirosas roseiras do céu,
Acaso rolaste tão bela dormindo,
E dormes sorrindo, das nuvens no véu?
O orvalho das noites congela-te a fronte,
As orlas do monte se escondem nas brumas,
E queda repousas num mar de neblina,
Qual pérola fina no leito de espumas!
Nas nuas espáduas, dos astros dormentes,
— Tão frio — não sentes o pranto filtrar?
E as asas de prata do gênio das noites,
Em tíbios açoites a trança agitar?
Ai! vem que nas nuvens te mata o desejo
De um férvido beijo gozares em vão!…
Os — astros sem alma — se cansam de olhar-te,
Não podem amar-te, nem dizem paixão!
E as auras passavam, — e as névoas tremiam, —
— E os gênios corriam — no espaço a cantar,
Mas ela dormia tão pura e divina
Qual pálida ondina nas águas do mar!
Imagem formosa das nuvens da Ilíria,
— Brilhante Valquíria — das brumas do norte,
Não ouves ao menos do bardo os clamores,
Envolta em vapores, — mais fria que a morte!
Oh! vem! vem, minh’alma! teu rosto gelado,
Teu seio molhado de orvalho brilhante,
Eu quero aquecê-los no peito incendido,
— Contar-te ao ouvido paixão delirante!…
Assim eu clamava tristonho e pendido,
Ouvindo o gemido da onda na praia,
Na hora em que fogem as névoas sombrias,
— Nas horas tardias que a noite desmaia. —
E as brisas d’aurora ligeiras corriam,
No leito batiam da fada divina;
Sumiram-se as brumas do vento à bafagem
E a pálida imagem desfez-se em — neblina!
Santos — 1861.
Fagundes Varella, Noturnas
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