As peras, no prato,
apodrecem.
O relógio, sobre elas,
mede a sua morte?
Paremos o pêndulo.
Deteríamos, assim, a
morte das frutas?
Oh as peras cansaram-se
de suas formas e de sua doçura!
As peras, concluídas, gastam-se no
fulgor de estarem prontas
para nada.
O relógio não mede.
Trabalha no vazio: sua voz desliza
fora dos corpos.
Tudo é o cansaço de si.
As peras se consomem no seu doirado sossego.
As flores, no canteiro diário, ardem,
ardem, em vermelhos e azuis.
Tudo desliza e está só.
O dia comum, dia de todos, é a
distância entre as coisas.
Mas o dia do gato, o felino e sem palavras
dia do gato que passa entre os móveis é passar.
Não entre os móveis. Passar como eu passo: entre nada.
O dia das peras é o seu apodrecimento.
É tranquilo o dia das peras?
Elas não gritam, como o galo.
Gritar para quê? Se o canto é apenas um arco
efêmero fora do coração?
Era preciso que o canto não cessasse nunca.
Não pelo canto (canto que os homens ouvem)
Mas porque cantando o galo é sem morte.
Ferreira Gullar, A Luta Corporal