Ferreira Gullar – O Anjo

O anjo, contido
em pedra
e silêncio,
me esperava.

Olho-o, identifico-o
tal se em profundo sigilo
de mim o procurasse desde o início.

Me ilumino! todo
o existido
fora apenas a preparação
deste encontro.

2

Antes que o olhar, detendo o pássaro
no voo, do céu descesse
até o ombro sólido
do anjo,
criando-o
– que tempo mágico
ele habitava?

3

Tão todo nele me perco
que de mim se arrebentam
as raízes do mundo;

tamanha
a violência de seu corpo contra
o meu,

que a sua neutra existência
se quebra:

e os pétreos olhos
se acendem;
o facho
emborcado contra o solo, num desprezo
à vida
arde intensamente;
a leve brisa
faz mover a sua
túnica de pedra.

4

O anjo é grave
agora.
Começo a esperar a morte.

Ferreira Gullar, Melhores poemas