Esta varanda fica
à margem
da tarde. Onde nuvens trabalham.
A cadeira não é tão seca
e lúcida, como
o coração.
Só à margem da tarde
é que se conhece
a tarde: que são as
folhas de verde e vento, e
o cacarejar da galinha e as
casas sob um céu: isso, diante
de olhos.
e os frutos?
e também os
frutos. Cujo crescer altera
a verdade e a cor
dos céus. Sim, os frutos
que não comeremos, também
fazem a tarde
(a vossa
tarde, de que estou à margem).
Há, porém, a tarde
do fruto. Essa
não roubaremos:
tarde
em que ele se propõe a glória de
não mais ser fruto, sendo-o
mais: de esplender, não como astro, mas
como fruto que esplende.
E a tarde futura onde ele
arderá como um facho
efêmero!
Em verdade, é desconcertante para
os homens o
trabalho das nuvens.
Elas não trabalham
acima das cidades: quando
há nuvens não há
cidades: as nuvens ignoram
se deslizam por sobre
nossa cabeça: nós é que sabemos que
deslizamos sob elas: as
nuvens cintilam, mas não é para
o coração dos homens
A tarde é
as folhas esperarem amarelecer
e nós o observarmos.
E o mais é o pássaro branco que
voa — e que só porque voa e o vemos,
voa para vermos. O pássaro que é
branco
não porque ele o queira nem
porque o necessitemos: o
pássaro que é branco
porque é branco.
Que te resta, pois, senão
aceitar?
Por ti e pelo
pássaro pássaro.
Ferreira Gullar, A luta corporal