Os vivos são vorazes
são glutões ferozes:
até dos mortos comem
carnes ossos vozes
Se devoram os mortos
devoram os outros vivos:
pelos olhos e sexo
elogios, sorrisos
Os vivos são dotados
de famintas bocas:
devoram o que veem,
o que cheiram e tocam
Os vivos são fornalhas
em sempre operação:
em sua mente e ventre
tudo vira carvão
O mar a pedra a manhã
são ali combustível:
o vivo, voraz, muda
o visível em visível
O mar a pedra a manhã
— que ele queima em seus risos —
viram pele e cabelos
do corpo, que é ele vivo
e onde habita alguém
— seja espírito ou não —
alimentado também
por essa combustão
que tudo vaporiza.
Mas que agora na pele
desta efêmera mão
é afago de brisa
Ferreira Gullar, Toda poesia