Flora Figueiredo – Cadeira de balanço

Vai chegar o dia
de minha cadeira balançar
vazia;
vai se aquietar o Noturno de Chopin
que toca sempre ao meu lado;
vai se quedar dobrado
o clássico jornal do café da manhã.
Provavelmente hão de permanecer
histórias divertidas,
ensinamentos,
brigas e arrependimentos,
problemas que dividimos,
parcerias que fizemos,
o doce que sempre repartimos,
os amargos que muitas vezes nós comemos.
Devem sobrar nas prateleiras
guirlandas e claves
caídas das cirandas,
que rodaram com a meninice.
Para vocês pode parecer tolice,
mas um dia
elas engrossaram de amor
a minha biografia.
Remendem a meia furada na ponta,
motivo de tanta discussão;
continuem tendo por perto
a lata de aveia
para quando o intestino não der certo;
é bom insistir na sopa de feijão.
Apagar a luz ao sair,
escovar os dentes antes de dormir.
Mas, acima de tudo, nunca dispersar.
Sei que a vida separa e distancia,
mas mantenham-se unidos
seja qual for o lugar
que cada um deva ocupar na geografia.
Nunca contrários,
nem bipartidos.
O destino gosta de rolar suas maldades
sobre sangues divididos,
sobre irmãos adversários.
Tomara que eu tenha sucedido
ao costurar com fio de eternidade
a alça pulsante de cada coração.
Do canto etéreo em que estiver guardada,
vou me alegrar por essa equipe tão amada, mandar a benção feita de plumas e
algodão.

Flora Figueiredo, Amor a céu aberto