Ó torres da Cidade, ó grandes torres pardas
Erguidas no esplendor dos ares cristalinos;
Ó ninhos de granito, ó poéticas mansardas,
Sonora habitação das aves e dos sinos!
Ó campanários onde os bronzes cantam e onde
Cantam aves do céu nas madrugadas suaves:
Onde o metal pergunta e o pássaro responde:
Ó Torres de Babel dos sinos e das aves!
Torres cinzentas, ó campanários eternos
Em cuja flecha audaz que o próprio raio afronta
Cantou tão forte o sino e os pássaros tão ternos
Que o galo de metal emudeceu na ponta!
Matusaléns de pedra, ó belas torres altas!
Banha-as em prata a lua; o velho sol, acaso
namorado, lhe dá beijos de luz; esrnalta-as
o carmim da alvorada e o vermelhão do acaso.
Altas torres, faróis do som, nobres e alertas;
Gigantes de granito e de fidelidade:
Seus arcos ogivais são pálpebras abertas
velando a vida, a paz, o sono da Cidade.
Parece que os retalhos sujos dos telhados
São páginas de um livro antigo que se estendem
Sob as torres, ou são in-folios desbotados
Que as torres vivem lendo e que elas só entendem.
Torres sentimentais, ó longas torres boêmias
Que vivem a cantar sob o balcão da lua!
São como elas também, são suas irmãs gêmeas
As almas dos violões que choram pela rua…
Quando, do trem de ferro, acima de um barranco,
Já não vejo senão a torre de uma igreja,
Tenho a doce impressão de que essa flecha seja
O derradeiro adeus do casario branco.
E, quando chego, é sempre, sempre a mesma torre
Que surge no horizonte a dar-me a boa-vinda:
E enquanto digo “Já?”, no trem que corre e corre,
A torre, lá de longe, é que responde: “Ainda?”…
Guilherme de Almeida, Melhores poemas
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