Guilherme de Almeida – Na cidade da névoa
Na Cidade da Névoa um triste abril desfolha
Os plátanos da rua. Um tédio longo e lento
Desce numa neblina e friamente molha
A desanimação do pardo calçamento.
O vento anda a arrepiar a pele dos telhados
E a arrastar pelo chão as folhas amarelas,
Deixando, no torpor das ruas paralelas,
Um nervoso ranger de tafetás molhados.
O mês de abril empoa os céus de cinza e pinta
As árvores de cromo. O mês de abril tem trinta
Quartas-Feiras de Cinzas: e a Cidade desfia
Trinta dias de spleen e de neurastenia.
Cinzento mês de abril, Ó mês tuberculoso!
A Cidade parece o asilo silencioso
Onde tossem, dorida e ininterruptamente,
As torres, o arvoredo e os magros combustores.
Dobram sinos: e os campanários cismadores
Pelas tardes de abril têm acessos de tosse
Que vêm despedaçar o coração da gente.
Nas alamedas passa um ventozinho doce:
E curvando-se então os plátanos corcundas,
Põem-se a tossir. E os combustores tossem quando,
Nestas noites de outono escuras e profundas,
Assobiam na rua os contagiosos ventos
E as chuvas outonais escorrem acordando
Nos caixilhos de ferro os vidros sonolentos.
E as neblinas da noite, irmãs de caridade,
Passam sob o adejar do linho dos capuzes.
Redobram de furor, nas ruas da Cidade,
Hemoptises de sons, de folhas e de luzes.
Guilherme de Almeida, Melhores poemas