Nas ruas da Cidade, os brancos mostradores
Dos relógios parecem olhos cismadores:
Olhos sem vida, olhos de morto, olhos vidrados,
Rasgados no perfil das torres pensativas,
Na desanimação das longas perspectivas
Na carranca senil das fachadas, rasgados
E na fisionomia extática das praças.
Pupilas que não veem, grandes pupilas baças
Que vivem a chorar, amarga, aborrecida
E interminavelmente, as lágrimas das horas,
As lágrimas de bronze, as lágrimas sonoras
que rolam pela rua e pela nossa vida…
Os mostradores são eternas sentinelas
E os seus ponteiros são eternas baionetas.
“Quem vem lá? Quem vem lá?” – e as grandes pontas pretas
Avançam sempre…
Os mostradores são janelas
Em que o Tempo debruça o busto milenário
Para ver desfilar a procissão humana:
Velho monge de longa barba soberana,
Ele põe-se a virar as folhas do Breviário
Das horas que se vão, das horas que envelhecem,
E a soluçar sozinho os seus Kyrie Eleisons…
De noite, os mostradores vão-se iluminando
E, redondos e brancos, no alto, eles parecem
Luas artificiais que vivem derramando
Pela Cidade morta o seu luar de sons…
Guilherme de Almeida, Melhores poemas