Nem viver, nem morrer. O melhor é naufragar.
Amor, pensas que é apenas o abajur e o leito.
Mas não. É o céu e é o mar. E o teu corpo,
côncavo de velas, singra pelo mar alto.
O barco tem asas para voar ao céu quando preciso.
Mas não é preciso.
Amada, na dureza das minhas docas ancoraste irremediável.
Teu pescoço é farol.
Brilham mais alto as duas luzes de oitocentas velas.
Flutuante alabastro,
és redonda como uma quilha e alta como um mastro.
E hoje há aviso aos navegantes:
no mar do poeta
haverá um naufrágio em cada hora do dia.
Amada, pensas que apenas é a cópula. Mas não.
Iremos para Taiti, Shangai, Cuba, Vladivostock, Ceilão e para o céu e para o inferno e para a vida e para a morte.
Compraremos apenas o bilhete de ida.
Quem volta de uma viagem para Vladivostock ou para a Morte?
Para Vladivostock, não! navio que eu amo.
Iremos colher as mandrágoras nos crepúsculos de Manilha
e tomar ópio em Hong-Kong, e comer pêssego em Oman e dormir com meretrizes morenas em rendez-vonz de Port Ssaid.
Mostra os teus braços de abismo
e os seios, duas naves fendidas e encalhadas e encendiadas de um fogo
vermelho na ponta,
mostra-me principalmente
o lago, o vasto lago do ventre,
onde há a ilha do umbigo e o princípio tormentoso do sexo
pois não quero viver nem morrer… que o melhor é naufragar…
Jamil Almansur Haddad, Lua do Remorso