Lá trabalharam as cigarreiras,
quase nuas pelo calor,
discutindo, freiras despidas,
teologias de um certo amor.
Enquanto enrolavam cigarros,
se trocavam jaculatórias,
com palavras desse amor cru
omitidos pelas retóricas.
Lá um tempo trabalhou Carmen,
adensando mais a atmosfera
de sexo, de carne mulher,
que isso tudo emanava dela.
Sobre o portal um anjo de pedra:
pronta, na boca, uma trombeta.
Faria soá-la, se dizia,
se um dia entrasse uma donzela.
Hoje, não há mais operárias.
Hoje em dia, é a Universidade.
Tudo mudou, exceto o anjo
que mudo ameaça ainda, debalde.
João Cabral de Melo Neto, A literatura como turismo
Sem comentários