Cansadas dos seus papéis fabulares, a cigarra e a formiga
resolveram associar-se para reagir contra a estereotipia a que
haviam sido condenadas.
Deixando de parte atividades mais lucrativas, a formiga empresou
a cigarra. Gravou-lhe o canto em discos e saiu a vendê-los de
porta em porta. A aura de mecenas a redimiu para sempre do
antigo labéu de utilitarista sem entranhas.
Graças ao mecenato da formiga, a cigarra passou a ter comida e
moradia no inverno. Já ninguém a poderia acusar de imprevidência
boêmia.
O desfecho desta refábula não é róseo. A formiga foi expulsa do
formigueiro por lhe haver traído as tradições de pragmatismo à
outrance e a cigarra teve de suportar os olhares de desprezo com
que o comum das cigarras costuma fulminar a comercialização da
arte.
José Paulo Paes, Socráticas
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