José Régio – Poema do silêncio

Sim, foi por mim que gritei. 
Declamei, 
Atirei frases em volta. 
Cego de angústia e de revolta. 

Foi em meu nome que fiz, 
A carvão, a sangue, a giz, 
Sátiras e epigramas nas paredes 
Que não vi serem necessárias e vós vedes. 

Foi quando compreendi 
Que nada me dariam do infinito que pedi, 
– Que ergui mais alto o meu grito 
E pedi mais infinito! 

Eu, o meu eu rico de baixas e grandezas, 
Eis a razão das épi trági-cómicas empresas 
Que, sem rumo, 
Levantei com sarcasmo, sonho, fumo… 

O que buscava 
Era, como qualquer, ter o que desejava. 
Febres de Mais. ânsias de Altura e Abismo, 
Tinham raízes banalíssimas de egoísmo. 

Que só por me ser vedado 
Sair deste meu ser formal e condenado, 
Erigi contra os céus o meu imenso Engano 
De tentar o ultra-humano, eu que sou tão humano! 

Senhor meu Deus em que não creio! 
Nu a teus pés, abro o meu seio 
Procurei fugir de mim, 
Mas sei que sou meu exclusivo fim. 

Sofro, assim, pelo que sou, 
Sofro por este chão que aos pés se me pegou, 
Sofro por não poder fugir. 
Sofro por ter prazer em me acusar e me exibir! 

Senhor meu Deus em que não creio, porque és minha criação! 
(Deus, para mim, sou eu chegado à perfeição…) 
Senhor dá-me o poder de estar calado, 
Quieto, maniatado, iluminado. 

Se os gestos e as palavras que sonhei, 
Nunca os usei nem usarei, 
Se nada do que levo a efeito vale, 
Que eu me não mova! que eu não fale! 

Ah! também sei que, trabalhando só por mim, 
Era por um de nós. E assim, 
Neste meu vão assalto a nem sei que felicidade, 
Lutava um homem pela humanidade. 

Mas o meu sonho megalómano é maior 
Do que a própria imensa dor 
De compreender como é egoísta 
A minha máxima conquista… 

Senhor! que nunca mais meus versos ávidos e impuros 
Me rasguem! e meus lábios cerrarão como dois muros, 
E o meu Silêncio, como incenso, atingir-te-á, 
E sobre mim de novo descerá… 

Sim, descerá da tua mão compadecida, 
Meu Deus em que não creio! e porá fim à minha vida. 
E uma terra sem flor e uma pedra sem nome 
Saciarão a minha fome. 

 

José Régio, As encruzilhadas de Deus