Felicito-me a mim mesmo por ser transitório.
Sempre tive medo da eternidade,
esse grande cão obscuro que me farejava as pernas
e me seguia sem morder.
Aguardando a morte como quem espera uma carta
trazida por um estafeta divino,
nada tenho para as festas do dia seguinte.
Toda a minha vida foi este esperar sem fim.
Entre o sono e o mar total, na paisagem celeste,
soltei minha pandorga.
Vi o farol da minha terra, e minha infância inteira
estirada em cem léguas diante do mar.
Nada quero de ti, Morte, nem mesmo as recompensas de outro lado
com que amenizas o fim dos que muito sofreram.
Dá-me apenas o sono inteiriço dos que morrem
e são levados à terra dos pés juntos.
Que a vida seja um sonho, e os sonhos sejam sonhos
do sonho desdobrado dos que vivem.
Efêmero, bate no tempo um coração solitário
e a sombra da terra é pouca para escondê-lo.
Lêdo Ivo, Poesia completa
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