Machado de Assis

Machado de Assis – Os dois horizontes

machado de assis
image_pdfimage_print

Dois horizontes fecham nossa vida: 

          Um horizonte, — a saudade 
          Do que não há de voltar; 
          Outro horizonte, — a esperança 
          Dos tempos que hão de chegar; 
          No presente, — sempre escuro,— 
          Vive a alma ambiciosa 
          Na ilusão voluptuosa 
          Do passado e do futuro. 

          Os doces brincos da infância 
          Sob as asas maternais, 
          O vôo das andorinhas, 
          A onda viva e os rosais; 
          O gozo do amor, sonhado 
          Num olhar profundo e ardente, 
          Tal é na hora presente 
          O horizonte do passado. 

          Ou ambição de grandeza 
          Que no espírito calou, 
          Desejo de amor sincero 
          Que o coração não gozou; 
          Ou um viver calmo e puro 
          À alma convalescente, 
          Tal é na hora presente 
          O horizonte do futuro. 

          No breve correr dos dias 
          Sob o azul do céu, — tais são 
          Limites no mar da vida: 
          Saudade ou aspiração; 
          Ao nosso espírito ardente, 
          Na avidez do bem sonhado, 
          Nunca o presente é passado, 
          Nunca o futuro é presente. 

          Que cismas, homem? – Perdido 
          No mar das recordações, 
          Escuto um eco sentido 
          Das passadas ilusões. 
          Que buscas, homem? – Procuro, 
          Através da imensidade, 
          Ler a doce realidade 
          Das ilusões do futuro. 
          
          Dois horizontes fecham nossa vida. 

 

Machado de Assis, Crisálidas

Você gostou deste poema?

You Might Also Like

No Comments

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.