Machado de Assis

Machado de Assis – Polônia

Como aurora de um dia desejado,
Clarão suave o horizonte inunda.
É talvez amanhã. A noite amarga
Como que chega ao termo; e o sol dos livres,
Cansado de te ouvir o inútil pranto,
Alfim ressurge no dourado Oriente.

Eras livre, — tão livre como as águas (1) 
Do teu formoso, celebrado rio;
A coroa dos tempos
Cingia-te a cabeça veneranda;
E a desvelada mãe, a irmã cuidosa,
A santa liberdade,
Como junto de um berço precioso,
À porta dos teus lares vigiava.

Eras feliz demais, demais formosa;
A sanhuda cobiça dos tiranos
Veio enlutar teus venturosos dias…
Infeliz! a medrosa liberdade
Em face dos canhões espavorida
Aos reis abandonou teu chão sagrado;
Sobre ti, moribunda,
Viste cair os duros opressores:
Tal a gazela que percorre os campos,
Se o caçador a fere,
Cai convulsa de dor em mortais ânsias,
E vê no extremo arranco
Abater-se sobre ela
Escura nuvem de famintos corvos.
Presa uma vez da ira dos tiranos,
Os membros retalhou-te
Dos senhores a esplêndida cobiça;
Em proveito dos reis a terra livre
Foi repartida, e os filhos teus — escravos —
Viram descer um véu de luto à pátria
E apagar-se na história a glória tua.

A glória, não! — É glória o cativeiro,
Quando a cativa, como tu, não perde
A aliança de Deus, a fé que alenta,
E essa união universal e muda
Que faz comuns a dor, o ódio, a esperança.

Um dia, quando o cálice da amargura,
Mártir, até às fezes esgotaste,
Longo tremor correu as fibras tuas;
Em teu ventre de mãe, a liberdade
Parecia soltar esse vagido
Que faz rever o céu no olhar materno;
Teu coração estremeceu; teus lábios
Trêmulos de ansiedade e de esperança,
Buscaram aspirar a longos tragos
A vida nova nas celestes auras.

Então surgiu Kosciusko;
Pela mão do Senhor vinha tocado;
A fé no coração, a espada em punho,
E na ponta da espada a torva morte,
Chamou aos campos a nação caída.
De novo entre o direito e a força bruta
Empenhou-se o duelo atroz e infausto
Que a triste humanidade
Inda verá por séculos futuros.
Foi longa a luta; os filhos dessa terra
Ah! não pouparam nem valor nem sangue!
A mãe via partir sem pranto os filhos,
A irmã o irmão, a esposa o esposo,
E todas abençoavam
A heróica legião que ia à conquista
Do grande livramento.

Coube às hostes da força
Da pugna o alto prêmio;
A opressão jubilosa
Cantou essa vitória de ignomínia;
E de novo, ó cativa, o véu de luto
Correu sobre teu rosto!
Deus continha
Em suas mãos o sol da liberdade,
E inda não quis que nesse dia infausto
Teu macerado corpo alumiasse.

Resignada à dor e ao infortúnio,
A mesma fé, o mesmo amor ardente
Davam-te a antiga força.
Triste viúva, o templo abriu-te as portas;
Foi a hora dos hinos e das preces; (2)
Cantaste a Deus, tua alma consolada
Nas asas da oração aos céus subia,
Como a refugiar-se e a refazer-se
No seio do infinito.
E quando a força do feroz cossaco
À casa do Senhor ia buscar-te,
Era ainda rezando
Que te arrastavas pelo chão da igreja.

Pobre nação! — é longo o teu martírio;
A tua dor pede vingança e termo;
Muito hás vertido em lágrimas e sangue;
É propícia esta hora. O sol dos livres
Como que surge no dourado Oriente.
Não ama a liberdade
Quem não chora contigo as dores tuas;
E não pede, e não ama, e não deseja
Tua ressurreição, finada heróica!

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