Fui morar numa pensão na rua do Catete.
A dona era viúva e buliçosa
E tinha uma filha Indiana que dava pancas.
Me abatia.
Ela deixava a porta do banheiro meio aberta
E isso me abatia.
Eu teria 15 anos e ela 25.
Ela me ensinava:
Precisa não afobar.
Precisa ser bem animal.
Como um cavalo. Nobremente.
Usar o desorgulho dos animais.
Morder lamber cheirar fugir voltar arrodear
lamber beijar cheirar fugir voltar
Até.
Nobremente. Como os animais.
Isso eu aprendi com minha namorada indiana.
Ela me ensinava com unguentos.
Passava unguento passava unguento passava unguento.
Dizia que era um ato religioso foder.
E que era preciso adornar os desejos com unguento.
E passava unguento e passava unguento.
Só depois que adornava bem ela queria.
Pregava que fazer amor é uma eucaristia.
Que era uma comunhão.
E a gente comungava o Pão dos Anjos.
Manoel de Barros, Memórias inventadas – A segunda infância