Se fosse dor tudo na vida,
Seria a morte o grande bem.
Libertadora apetecida,
A alma dir-lhe-ia, ansiosa: — “Vem!
Quer para a bem-aventurança
Leves de um mundo espiritual
A minha essência, onde a esperança
Pôs o seu hálito vital;
Quer no mistério que te esconde,
Tu sejas, tão-somente, o fim:
— Olvido, imperturbável, onde
Não restará nada de mim!”
Mas horas há que marcam fundo…
Feitas, em cada um de nós,
De eternidades de segundo,
Cuja saudade extingue a voz.
Ao nosso ouvido, embaladora,
A ama de todos os mortais,
A esperança prometedora,
Segreda coisas irreais.
E a vida vai tecendo laços
Quase impossíveis de romper:
Tudo o que amamos são pedaços
Vivos do nosso próprio ser.
A vida assim nos afeiçoa,
Prende. Antes fosse toda fel!
Que ao se mostrar às vezes boa,
Ela requinta em ser cruel…
Manuel Bandeira, A cinza das horas
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