aqui o rio é verde, tem o mesmo tom do
gradil da ponte. um dia você
disse que a única coisa verde
dessa cidade
era o rio.
o resto,
disse,
só galho seco.
o resto não apaga, pensei,
e hoje quando cruzei a ponte
lembrei da sua voz
na gravação:
— é uma linha que nunca se fecha.
os anos vão passando
e a gente em cidades
diferentes —
quando vi o rio passando
lembrei dessa linha e do dia em que
nos conhecemos.
você sabe o que se diz para alguém
no primeiro encontro? ele me disse:
— sabia que nessa cidade
quando chega o inverno
a grama entra em repouso?
eu poderia ter dito
— quer ver na ilha em frente
os emus australianos?
mas não disse nada, fiquei
muda olhando a grama em repouso.
ele usava 24 tons de verde
para desenhar, só não via do lado
de fora. quando lembro
dele, não penso no verde das telas.
só penso no buraco:
— como se apaga um buraco?
hoje quando fecho os olhos
penso naquela linha que não fecha
e no primeiro dia, quando ele
disse:
— você ainda vai me ver três vezes
antes do fim. fique atenta
aos sinais.
Marília Garcia, Câmera Lenta
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