Mário de Andrade – Caim

Maldito sejas tu, homem, que ao corpo espelhas 
Odiento e vil um outro eu mesmo! Sê maldita, 
Mulher, em cujo olhar, de límpidas centelhas, 
Não olho sem que nele o meu rosto reflita! 

E tu, sol, que a incitar as malditas parelhas 
Do plaustro, vens trazer para a dor infinita 
Do meu remorso, os dias áureos e as vermelhas 
Tardes que entram a rir na minha alma precita! 

Maldita a brisa que descobre e que reconta! 
E o lago que oferece a vidraça ampla e nua! 
E o galho que indigita! E o rochedo que aponta! 

Venha a noite! Oh! maldita a noite negra, cheia 
Da treva que me insula e despe! Venha a lua! 
Maldita a lua que me esboça sobre a areia!

 

Mario de Andrade, Poesias completas vol. 2