Mário de Andrade – Momento
Ninguém ignora a inquietação do clima paulistano…
Pois tivemos hoje uma arraiada fresca de neblina.
Depois do calorão duma noite maldita, sem sono,
Uma neblina leviana desprendeu das nuvens lisas
E pousou um momentinho sobre o corpo da cidade.
Ôh como era boa, e o carinho que teve pousando!
Não espantou, não bateu asa, não fez nenhuma bulha,
Veio, que nem beijo de minha mãe se estou enfezado
Vem mansinho, sem medo de mim, e pousa em minha testa.
Assim neblina fez, e o sopro dela acalmou as penas
Desta cidade histórica, desta cidade completa,
Cheia de passado e presente, berço nobre onde nasci.
Os beijos de minha mãe são tal-e-qual a neblina madruga…
Meu pensamento é tal-e-qual São Paulo, é histórico e completo,
É presente e passado e dele nasce meu ser verdadeiro…
Vem, neblina, vem! Beija-me, sossega-me o meu pensamento!
Mário de Andrade, 50 poemas e um Prefácio interessantíssimo