O meu peito é uma sala de castelo,
Sala deserta, sala muda, fria,
Sem um riso de flor, sem a alegria
Duma açafata ou de algum pajem belo.
Solenidade e poeira. Fora o dia,
Festa do azul, do róseo, do amarelo,
Mas dentro apenas o ligeiro anelo
Da luz mortiça duma fresta esguia.
Paredes guarnecidas de veludo,
Alfaias, móveis, almadraques, tudo
Cobre a penumbra com seu olho absorto.
E há o retrato do meu antepassado,
O meu eu de criança abandonado,
O meu primeiro coração, já morto.
Mário de Andrade, Poesias Completas vol. 2