Mário de Andrade – Sombra
Quando com a aurora surge o dia, a casa
Estende no terreno a sombra informe
Que pouco a pouco diminui, conforme
Sobe e caminha no alto o sol em brasa.
Ao meio-dia, quando o espaço dorme,
A sombra é nula na parede rasa;
Depois, até que o sol no poente jaza,
Vai crescendo e estendendo a cauda enorme.
E avançando de rastros pela alfombra
Penetra aos poucos o negror profundo
Da noite, e vaga, vil, desaparece.
Sombra na terra, sombra n’alma – mundo
De sombras… Tudo, nesta vida, é sombra
Que cresce, que decresce, que recresce.
Mário de Andrade, Poesias completas vol. 2