Esquivo sortilégio o dessa voz, opiada
em sons cor de amaranto, às noites de incerteza,
que eu lembro não sei de onde – a voz de uma princesa
bailando meia nua entre clarões de espada.
Leonina, ela arremessa a carne arroxeada;
e bêbada de si, arfante de beleza,
acera os seios nus, descobre o sexo… Reza
o espasmo que a estrebucha em alma copulada.
Entanto nunca a vi mesmo em visão. Somente
a sua voz a fulcra ao meu lembrar-me. Assim
não lhe desejo a carne – a carne inexistente…
É só de voz-em-cio a bailadeira astral
– e nessa voz-estátua, ah! nessa voz-total
é que eu sonho esvair-me em vícios de marfim…
Mário de Sá-Carneiro, Livro dos sonetos