Onde eu nasci
há mais terra que céu.
Tanto leito é uma bênção
para mortos e sonhadores.
E de tão pouco ser o céu
nasce o Sol
em gretas nos nossos pés
e os corações se apertam
quando remoinhos de poeira
se elevam nos telhados.
As mães
espanam o teto
e poeiras de astros
cobrem o soalho.
De tão raso o firmamento,
a chuva tropeça nas copas
enquanto nuvens
se engravidam de rios.
Com tanta escassez de céu
não há encosto
nem para a mais minguante lua
e os meninos,
na ponta dos dedos,
acendem estrelas.
Pois,
nessa terra
que é tanta para tão pouco céu,
calhou-me a mim ser ave.
Pequenas que são,
as minhas asas parecem-me enormes.
Envergonhado,
escondo-as dos olhares vizinhos.
Nas minhas costas
pesam
versos e plumas.
Voarei,
um dia,
sem saber
se é de terra ou de céu
a pegada do voo que sonhei.
Mia Couto, Vagas e lumes