Desiludido com o mundo,
Afrânio concluiu: “uns são filhos da puta,
outros só não o são
porque a mãe é estéril”
Decidido ao suicídio,
no alto da falésia hesitou:
“no mar não me lanço
que é demasiada sepultura.
Como receberei flores
entre tanto peixe faminto?”
Ante a fogueira, Afrânio desfez as contas:
“Na labareda, não.
Como me distinguiria,
depois, entre a cinza da lenha ardida?”
Quando na alta copa se pensou pendurar,
uma vez mais ele se avaliou.
E recordou o vizinho Salomão
que, de enforcado, se converteu em fruto,
seiva correndo na veia,
polpa viva a seduzir a passarada.
Afrânio regressou a casa,
resfregou as solas sobre os tapetes,
a esposa festejou o novo alento.
Engano seu, mulher, respondeu Afrânio.
Eu apenas escolhi outro suicídio.
A minha morte é este viver.
Mia Couto, Poemas escolhidos