A pluma pensa,
a ave pesa.
Mais leve é o céu
que não sabe voar.
Hoje, porém,
contra plumas e céus,
a gaiola se ergueu
e voou sobre a cidade,
grave e sem gravidade,
rumo às citadinas nuvens.
A gaiola
vingava a saudade
que a asa sentia do pássaro.
E cruzou
o agnóstico céu,
disputando lugares de anjos.
E era um milagre de coisa
profanando o firmamento.
Mas, afinal,
fui eu
e não a gaiola
quem do chão se soltou.
Flutuei
por entre nuvens
como se outra terra pisasse.
Nas alturas,
porém,
a asa, sem pluma,
de vertigem sofreu.
Entendi, então,
o meu voo corrigir.
Mas foi fatal o intento.
Porque o voar de ave
é como alma sem rasura:
sempre sem erro,
sempre segura da precisa altura.
Na aresta do chão
me despenhei,
tombando em cascata de sombra.
Inteiro sobre mim,
com peso de lápide,
um céu confirmava:
todos de si sabem
o lugar e a idade.
Desconhecemos apenas
onde somos eternidade.
Mia Couto, Vagas e lumes
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Extremamente tocante! Figuras precisas! Vou levar para o Sarau de minha escola!👏👏👏