Altas horas,
já secos cuspos e copos,
meu pai dizia:
vou reparar o teto.
E saía, para além da noite,
por interditos caminhos.
Minha mãe
retorcia a alma
nas magras mãos.
No peito, não no ventre,
a mãe vai gerando filhos.
Por trás dos cortinados,
seu olhar se desfiava
no longo rosário da espera.
Cegos para as suas fadigas
nós, os filhos,
pedíamos que nos alonjasse o medo.
E a voz dela acontecia
como inundação do rio:
lavando águas e tristezas.
Pobre do vosso pai, suspirava.
Que pena ela dele sentia
que, no escuro, em vão procurava.
A nossa casa, de tão alta,
não poderia nunca ter telhado.
Filhos deitados,
medos dormindo:
antes do meu pai regressar
já minha mãe
tinha reparado
as telhas todas do mundo.
Mia Couto, Poemas escolhidos
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