Hoje acordei sem dia,
a casa sem lar,
a cama sem leito.
Hoje acordei sem mim.
Saí à rua,
para me deixar possuir
pela simples leveza de existir.
Crianças passaram por mim,
aos bandos de espantar,
com folias e desmandos,
nessa fabricação de milagres
que é o absoluto brincar.
Dentro de mim
o universo se dissolveu
e um respirar de céu
em meu peito se inundou.
Seria a Vida,
seria o Tempo sem nostalgia,
ou seria, apenas, a poesia?
Sei que havia um fluir de rio
lavando antiquíssimas dores.
E do cristal de tristeza
que antes me negava o ar,
desse nó de vazio,
voltou a nascer o mar.
Mia Couto, Vagas e lume
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