Vou-te cantando, Baco!
Não pela colheita de hoje, que é pequena,
Mas pela de amanhã, muito maior!
Vou-te pondo nos cornos estas flores,
Que não querem ser líricas nem puras,
Mas humanas, sinceras e maduras.
Vou-te cantando, e vou cantando o sol,
A terra, a água, o lume e o suor.
Vou erguendo o meu hino
Como levanta a enxada o cavador!
Lá nesse Olimpo em geios,
Único Olimpo etéreo em que acredito,
Aí me prosterno, rendo e te repito
Que és eterno,
Mais do que Deus e mais do que o seu mito!
Beijo-te os pés — os cascos de reixelo;
Olho-te os olhos de pupila em fenda;
E sabendo que és fauno, ou sátiro ou demónio,
Sei que não és mentira nem és lenda!
Dionisos do Douro!
Pêlos no púbis como um homem,
Calos nas mãos ossudas!
E bêbado de mosto e de alegria,
À luz da negra noite e do claro dia!
Cachos de alvaralhão de cada lado
Da marca universal da natureza!
Ela, roxa e retesa
Como expressão da vida!
À beleza
Sempre no seu lugar, erguida!
E folhas de formosa pelos ombros,
Pelos rins, pelos braços,
Por onde a seiva rasga o seu caminho.
E a cabeça coberta
De cheiro a sémen e a rosmaninho!
Modula a sensual respiração
Do arcaboiço fundo do teu peito
Uma flauta de cana alegre e musical.
E és humano,
Quanto mais és viril e animal!
Eis os meus versos, pois, filho de Agosto
E dos xistos abertos!
Versos que não medi, que não contei,
Mas que estão certos,
Pela sagrada fé com que tos dei!
Miguel Torga, Poesia Completa