Não, não nos digam que a lua
não é nossa irmã,
uma irmãzinha meiga que nos cubra
a todos com a quentura terna e gostosa
do seu carinho…
que entorne toda a sua doce claridade
sobre as nossas tristes cabeças vergadas
e, como um feitiço forte e misterioso,
nos afugente as raivas fundas e dolorosas
de revoltados,
com sua morna carícia de veludo.
Sua enorme mão,
luminosamente branca, consegue-nos tudo.
E sob o seu feitiço potente, serenamos.
E pouco a pouco, momento a momento,
sossegando vamos…
Fechando nossos olhos impacientes de esperar,
já podemos vogar no mar
parado dos nossos sonhos cansados…
e até podemos cantar!
Até podemos cantar o nosso lamento…
De olhos para dentro, para dentro de nós,
sentimo-nos novamente humanos,
somos nós novamente,
e não brutos e cegos animais aguilhoados…
Sim. Nós cantamos amorosamente
a lua amiga que é nossa irmã.
— Embora nos repitam que não,
nós o sentimos, fundo, no coração…
(que bem vemos
que no seu largo rosto de leite há sorrisos brandos de doçura para nós, seus irmãos…]
Só não compreendemos
como é que, sendo tão branca a lua nossa irmã,
nos possa ser tão completamente cristã,
se nós somos tão negros, tão negros,
como a noite mais solitária e mais desoladamente escura…
Noémia de Sousa, Sangue Negro