Nossa voz ergueu-se consciente e bárbara
sobre o branco egoísmo dos homens
sobre a indiferença assassina de todos.
Nossa voz molhada das cacimbadas do sertão
nossa voz ardente como o sol das malangas
nossa voz atabaque chamando
nossa voz lança de Maguiguana
nossa voz, irmão,
nossa voz trespassou a atmosfera conformista da cidade
e revolucionou-a
arrastou-a como um ciclone de conhecimento.
E acordou remorsos de olhos amarelos de hiena
e fez escorrer suores frios de condenados
e acendeu luzes de esperança em almas sombrias de desesperados…
Nossa voz, irmão!
nossa voz atabaque chamando.
Nossa voz lua cheia em noite escura de desesperança
nossa voz farol em mar de tempestade
nossa voz limando grades, grades seculares
nossa voz. irmão! nossa voz milhares,
nossa voz milhões de vozes clamando!
Nossa voz gemendo, sacudindo sacas imundas,
nossa voz gorda de miséria,
nossa voz arrastando grilhetas
nossa voz nostálgica de impis
nossa voz África
nossa voz cansada da masturbação dos batuques de guerra
nossa voz negra gritando, gritando, gritando!
Nossa voz que descobriu até ao fundo,
lá onde coaxam as rãs,
a amargura imensa, inexprimível, enorme como o mundo,
da simples palavra ESCRAVIDÃO:
Nossa voz gritando sem cessar,
nossa voz apontando caminhos
nossa voz shipalapala
nossa voz atabaque chamando
nossa voz, irmão!
nossa voz milhões de vozes clamando, clamando, clamando!
Noémia de Sousa, Sangue negro
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