Pablo Neruda

Pablo Neruda – A cidade

A SOMBRA deste monte protetor, propício, 
como manta indiana aérea e rural me cobre:
bebo azul do céu por meus olhos sem vício
como um terneiro mama o leite em tetas nobres.

Ao pé da colina a cidade deita e eu sinto,
sem querer, sempre a rodar os tranways urbanos:
a igreja se eleva para cravar o vento,
mas vagabundo foge em mãos e desenganos.

Cidade, és triste e cinza. Tens as ruas largas,
e um odor de armazém por tuas ruas passeia.
Encontro as águas dos teus poços mais amargas.
As almas de teus homens me parecem feias.

Não sabem a beleza da fonte que canta,
nem de quem a transvasa e floresce em conceito.
Que não vai parar nunca, a água na garganta, 
dos seus corações se vai ao verso perfeito.

Cidade, és gris e triste. Se estou só eu penso
que a ausência parece aproximar-se de mim. 
Regresso, até o céu tem um bocejo imenso.
Cresce em minha alma um ódio, anterior, intenso.

Aqui ela vive e fim

 

Pablo Neruda, Crepusculário

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