Pablo Neruda – Final

FORAM CRIADAS por mim estas palavras
com o meu sangue e com as dores minhas
foram criadas!
Tudo eu compreendo, amigos, eu compreendo tudo.
Misturaram-se vozes alheias às minhas,
tudo eu compreendo, amigos!
Como se voar eu quisesse e me chegassem
para me ajudar as asas das aves,
todas as asas,
assim vieram as palavras estrangeiras
desatar a ebriedade escura de minha alma.

É manhã, e parece
que não se me apertaram as angústias
em tão terríveis nós em torno da garganta.
E no entanto,
foram criadas,
com o meu sangue e com as dores minhas,
foram criadas por mim estas palavras!

Palavras para alegria
quando era meu coração 
uma coroa de chamas
palavras de dor que penetra,
e dos instintos que remordem,
e dos impulsos que ameaçam,
e dos infinitos desejos,
e das inquietudes amargas,
palavras de amor que em minha vida florescem
como terra roxa cheia de umbelas brancas.

Não caiam em mim, nunca couberam.
Menino minha dor foi grito,
foi minha alegria silêncio.

Depois os olhos
esqueceram as lágrimas
do coração de todos varridos no vento.

Agora, digam-me, amigos,
onde esconder aquela aguda 
fúria de soluços.

Diga-me, amigos, onde
esconder o silêncio para que ninguém
nunca o sentisse com os ouvidos ou olhos.

As palavras vieram e meu coração,
incontido como um amanhecer,
rompeu-se nas palavras, no apego do vôo,
e em suas fugas heróicas o levam e arrastam,
adandonando e louco, e esquecido sob elas
como um pássaro morto, embaixo de suas asas.

 

Pablo Neruda, Crepusculário